quinta-feira, janeiro 17, 2008

“Então peço-te que me contes tudo, Sebastião.
- Tudo? Mas o que é tudo? Tudo o que vejo? – perguntas, num sussurro. Como se, de súbito, te sentisses esmagado pela intraduzível vastidão do teu olhar. O que se vê nunca se pode narrar com rigor. As palavras são caleidoscópios onde as coisas se transformam noutras coisas. As palavras não têm cor – por isso permanecem quando as cores desmaiam. Percebo o teu aturdimento: como se traduz a visão? Como se emprestam os olhos? Impossível. Ainda por cima num aeroporto, onde tudo é movimento; o movimento entorpece o acontecer das coisas.
Conta-me só a verdade, Sebastião. O que sobra daquilo que vês. Dizes-me que vês uma criança chorando agarrada aos joelhos de um homem que parte. Uma mulher tenta soltar-lhe os dedos das calças do homem, que se esforça por conter as lágrimas. Peço-te que não me contes histórias de despedidas. Vejo-as à transparência das vozes, no recorte bruto das frases interrompidas, entrecortadas de tristeza. Peço-te que olhes para o que fazem as pessoas felizes – são essas que preciso de ver. Dizes-me que te peço demasiado, que a felicidade não se vê.”




Excerto da “Eternidade e o desejo” de Inês Pedrosa

1 comentário:

Anónimo disse...

É um excerto lindo mas mt triste... não era suposto estares contente? Estarmos contentes? Não sofras por antecipação... Pq estarás a fazer me sofrer a mim tb... Adoro-te.