domingo, dezembro 14, 2008

Carta em tempos idos

Nada sei das estações do ano, são meros contratempos temporais que me decoram os dias. Mas sei dos voos solitários de que falas. Sei quando os faço sem nunca sair desta cidade apaixonante mas terrivelmente decadente. As minhas viagens são unicamente minhas, sem localidades, sem novas paisagens para alcançar. Não as preciso. Não as reconheço como condições destas minhas viragens que apenas se instalam como bagagem no meu pensamento. Bagagem com excesso de peso. Sempre.

Na tentativa eficiente de me adivinhares os desejos, fechas-te sobre os teus, apenas clamando a sua existência e o feito que têm sobre ti. Sei deste vagar que nos impuseste, mas preciso de saber mais, preciso de te descobrir mesmo que me sinta a errar nos caminhos. Como se só por ti unicamente pudesse alcançar-te. Falta-me o génio da tua perspicácia e os 10 anos que nos distanciam. Falta-me a visão que dizes ter. Falta-me o calculismo que sinto que me abandonou.

E se eu te disser, que não os tento calar mas sim que ainda não os reconheci? Que são passos desalinhados que me sobrevoam o pensamento mas que nunca ficam tempo suficiente para eu os saber? Acreditarias?
(E por momentos tento ouvir “minha querida” a sair da tua voz embriagante e a sumir-se no meu ouvido das verdades.)

Mover-me. Mas não viver-me. E na confusão que as tuas palavras me provocam apetece-me dizer-te que nada sabes. Os meus sonhos não existem. Apenas os meus desejos sobrevivem mesmo os que rejeito. Dúvida...não é essa a circunstância que nos separa, ou melhor, aproxima? Se já soubéssemos tudo e estivéssemos inscritas em certezas, ainda cá estaríamos? Ainda estas palavras nos saberiam bem? O futuro é isto. E mesmo assim não me basta.


De que te vale seres vampira de almas nessa busca de alimento que só te vai provar que não chegarás ao fim último que desejas? Ou será essa tua busca o desafio daquilo que reservas para ti? A nossa espécie. Não seremos nós parte de uma seita que se intitula “seita daqueles que já não acreditam”? De uma seita que acredita mormente que dar de si é desperdício de tempo? Desafogo da própria alma? Acreditar em algo que vai resultar em perda de nós. Porque nada mais do que o fim e do que o nosso sofrimento conseguimos ver no final. Para além de tudo, de todas as outras pessoas, existimos nós que acreditámos, que não queríamos acreditar mas tentamos. E acreditámos. E demo-nos. E partilhámo-nos. E iniciámos um ritual diário de felicidade nem que seja inventada ou prejuízo nosso feito em prol daqueles que nos rodeiam.

E confessas-te mais do que o desejas? Ou não percebes os momentos em que na tentativa de te controlares, te descontrolas e mostras-me mais de ti?

Não sei encarnar o papel de vítima, revogo todas as minhas fragilidades mas sei que de vítima nada tenho. Riscos. Apenas estou a corrê-los porque assim sinto, sobrevivo, regenero. E sabes que não te minto.

Repela-me o que sinto a ferver em mim, o que sinto a mover a minha mente, o que sinto quando nos enquadro neste tempo nosso, neste espaço que me marca os dias. E quero, e não fugirei porque preciso de saber o que está para além disto, que sei que é mais. Estou enganada? Não me mintas tu.


É a curva que temo que me irá fazer mudar o caminho. No máximo isso. Não acredito que me faça despistar. Porque não acredito que seja possível cair mais fundo do que já um dia caí. Uma só vez. Tudo o resto serão erros. Armadilhas. Fraquezas que me levam a agir a contrario do que sei que devo agir. Erros, nada mais do que isso. E voltarei a cometê-los porque embora os reconheça, na prática não os consigo renegar. E sinto que demorarão a sair do meu caminho.
Sim, acredito que existirão dias em que me conseguirei levantar de uma forma nunca antes sentida ou presenciada por mim. Não ainda. Não contigo.

(Desconcentras-me)


Por vezes não te acontece que uma necessidade de dares invade-te o corpo? Como se um abraço te puxasse e com isso te convencesse que as coisas seriam diferentes. Que tudo o que te dessem tu irias conseguir dar. Já me aconteceu acreditar mas depressa essa sensação se desvanece e eu volto a ser o que sou, mesmo com os medos presos ao meu casaco favorito mesmo sabendo que pessoas saírão magoadas e por ventura eu também. Não sei ver mais além...mas por vezes gostava de ter uma capacidade maior de entrega, de confiança, de cedência, de ternura. A tua ambiguidade também é a minha.

Falas de uma complementaridade. Numa renovação constante da nossa própria natureza. Se deixares de falar nessa tão apetecível natureza que em nós existe, que somos nós? O que resta? Ainda te apeteceria se não fosse esta identificação?

Não sei o que tu me reservas. Nada sei disto. Porque do princípio ao fim tu confundes-me. Tu testas-me. Tu provocas-me. Tu observas. Tu aproximas-te perto demais do meu abismo. O teu egoísmo tem um espelho próprio, rotas quase que infalíveis. E mesmo os detalhes que te falham tu não os sabes admitir. Sei que demoram outras rotas até esse passo.
Não te sei desistir ainda. Abdicar do que (ainda) me corre pelas veias. Ainda não é tempo.

Não me considero visita nessa tua divisão desarrumada onde me recebeste e continuas a receber. A intensidade ainda nem iniciou o seu trajecto. Nada iniciou o seu trajecto. Nem mesmo nós. Continuamos a vasculhar lentamente tudo o que agora nos rodeia, nos chama, nos atrai. A intensidade chegará ao seu auge quando a loucura se reformar. O prazo ainda nem começou...



Algures em 2006

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