quarta-feira, setembro 28, 2005

Chegas atrasada como a chuva do ano passado, não pedes desculpa - disseste-me no nosso primeiro encontro "sei que já estás à minha espera à 15minutos mas sou mesmo assim, chego atrasada a tudo, sou eu, não tenciono mudar e como tal não peço desculpa". Achei de uma arrogância extrema, de certeza que percebeste pela má cara que fiz. Ela não pede desculpa e eu não aturo o que não quero. Com ela a paciência parecia que renascia em mim, criei em mim a vontade errônea de atura-la. passou a ser algo estimável na minha vida. As pessoas dizem-me que percebem perfeitamente porque me apaixonei por ela, que é muito inteligente, adorável e bonita. Apetecia-me dizer-lhes que se gosto dela é mesmo pelos seus defeitos, por ser uma pessoa rabugenta, chata, difícil de aturar, por ter a mania que é o que não é, por ter uma forma de amar que mais parece vingança de tudo e mais alguma coisa. Eu e ela damo-nos mal, só no sexo e quando fazemos as pazes é que nos entendemos. Gostamos dos mesmos restaurante, das mesmas revistas, do mesmo ginásio. Não falamos de livros, de cinema, de outras pessoas. Gostamos mais do silêncio e de nos olharmos. Comemo-nos com os olhos várias vezes por dia. E isso sabe-nos bem, como se fosse uma espécie de poder numa ironia azeda do que realmente queremos uma da outra.

Chegas atrasada, pedes um café e um copo com uma pedra de gelo. Detestas coisas quentes. E adoras gelo até no inverno. Despes o casaco, sorris-me e afasgas-me o rosto. Nunca consigo saber o teu próximo passo. Peço que venhas ter comigo. Respondes mal. Agora chegas e pareces outra. Á dias que te odeio, que quero que desapareças da minha vida, dos meus pequenos almoços. Outros quero-te perto, quero-te calada e a falar com as mãos. Quero esse teu amor que tanto sublinhas que não mereço. Quero a tua presença em todos os momentos bons e maus da minha vida. Quero-te mesmo quando te odeio e apetece-me escreve-lo na tua cara como se fosse um estalo pesado.

Acendes um cigarro, nunca soubeste fumar muito bem, trocas o cigarro pelas mãos e fixas os olhos noutro lugar que não a minha pessoa. Hoje vens de preto. Só usas preto quando sabes que algo de bom te vai acontecer. Tu e a mania dos pressentimentos. Quando me conheceste vinhas de preto, entraste no café sozinha e saíste de mão dada comigo vitoriosa. Nos primeiros tempos sempre achei que para ti não passava de um troféu. Numa discussão assim o disseste. Dizes de dentro de ti existe mais escuridão do que luz. Sempre que ameaço partir, agarras as minhas mãos e com esses teus olhos de fogo apenas dizes "Eu avisei-te que não era uma boa peça, que seriam muitos os momentos em que não me aguentarias. Se estás aqui é por tua conta e risco" - Esses teus olhos. Sabias que nunca iria embora. Tens a confiança em cada pedaço de ti. Nem o consegues disfarçar. Gosto demasiado do que não conseguimos ter para ir embora. Tenho os pés presos aos teus e só te sei seguir os passos.

Trocas a perna. Bebes um golo de café. Arrancas uma folha de papel branca, escreves qualquer coisa e dás-me a ler.
No papel está escrito: "Gosto quando ficas mesmo querendo partir. Gosto de ti mesmo que nunca o tenha conseguido demonstrar."

É nisto que me tens. É nisto que me tomas.
Sou tua porque agarras-me sempre que penso em desistir.

10 comentários:

Anónimo disse...

Tenho vindo acompanhar este teu texto e estou a gostar. Continua! Beijinhos.

Anónimo disse...

Gosto muito da forma como consegues passar sentimentos a palavras. A forma como escreves faz-nos imaginar um quadro, com personagens, locais, situações... conseguimos transportar-nos para dentro do teu texto e... é como se estivessemos lá.

Me, Myself and I disse...

Cacau, uma vez mais senti tuas palavras como se fossem minhas... Uma escrita poderosa e real...;) Fiquei rendida da 1ª à a última letra... Uma palavra FABULOSO!
Bjocas.

-X- disse...

Arrasadora, é o termo. Gosto de cada palavra, da sequência, do envolvimento, do quadro pintado, enfim do sentimento que é a pedra de toque. Continuas de parabéns.
Beijos

Anónimo disse...

Inefável. - (mais n digo pq as palavras me soam indignas do sentimento q transportam)

GNM disse...

Genial!
Qualquer comentário meu se torna desnecessário.

Fica bem!

sotavento disse...

Xiiii, miúda, cresces em todos os textos, um metro e tal, não sei onde vais parar!... ;)

(Quem não viveu já uma coisa assim, que atire a 1ª sílaba!... :))

SL disse...

Cada vez melhor minha cara! Parabéns!
Estou já em contagem decrescente para as férias...vou mandar-te o programa das festas. Não me esqueci das queijadas!
Jinhos

Poesia Portuguesa disse...

Gosto de te ler, miúda... Muito!
Jinhos e bom fim de semana :)

Anónimo disse...

Gosto dos teus textos... São muito bonitos continua! Beijos