domingo, janeiro 22, 2006

Chegas de manhã. Nem muito cedo nem muito tarde. Tens os olhos borrados, e cheiras toda a sexo. Não ao meu. Ao de outra mulher. Mas nunca eu. Já me esqueci das vezes em que te procurei na cama à noite e não estavas lá. Dizes que me amas, dizes que sou a tal…mas sempre que estamos juntas, tu queres levar-me para a cama, e revoltas-te quando me afasto, quando digo que não. Que não quero. Que não te quero dessa forma. Quero mais que isso. Dizes palavrões, despes-te toda e perguntas-me “O que é que te faz não me quereres foder?”. E arranhas-te toda, levas a mão a cara e dás pontapés naquilo que encontras à tua frente. E sais, sais sempre de casa. E demoras sempre a regressar. Demoras-te.

Nunca te disse a razão de não me entregar a ti na cama, não te oferecer o meu corpo como motivo do amor que sinto por ti. Nunca te disse que quando chegas de manhã sinto nojo quando me vens beijar, arrepias o meu corpo mas nunca porque gosto mas sim…porque me repeles…o teu corpo é lindo, um mar de desejo, mas é sujo, por todas as vezes que te entregaste a outras mulheres e que elas se entregaram a ti. Olho para ti tentando que se desperte em mim, um desejo incontrolável de te ter, mas não consigo.

O teu corpo é um diário, cheio de palavras sonoras, cheio de gestos violentos, tatuado com umas mãos que não são as minhas. Não fui eu que escrevi esse livro, não fui eu que o reli…não consigo transformar o teu corpo num livro novo apenas escrito por mim. Porquê pedir-te isso? Seria como se estivesse a por um ponto final no que nos une, seria amarrar-te os olhos, as mãos…tudo o que te faz ir ao encontro de outras mulheres que não eu. E dizes que me queres, que precisas de me ter…mas seria apenas mais uma.
Não quero. Não posso. Prefiro não te ter a ser apenas isso na tua vida.

Chegas-te mais perto e sinto-te ainda mais longe como se nem estivesses ali comigo. Sorris-me com esses teus olhos tristes, cor de alcatrão, empurras o teu corpo para junto de mim, procuras afago nos meus braços, procuras que me esqueça das noites em que estragas tudo, em que não resistes ao apelo da carne, ao apelo do que te suga de mim.

Exibes o teu corpo pela casa como se fosse um troféu, és narcisista na forma como o adoras, é como uma obsessão, a tua obsessão. E não entendes, não entendes que olhar para o teu corpo dói-me o amor que é teu mas que não to consigo entregar. Dói-me as mãos que se afastam de ti. Dói-me o orgulho de não te perdoar as feridas que me provocas. De não ser a única. A que te rouba o corpo e te algema o coração.
Doem-me as entranhas mas resisto, resisto a que fiques. Perto. Mesmo que longe.

7 comentários:

BoSeiJu disse...

O dilema do desejo... é ao que me soa este texto.

bjs

Anónimo disse...

A mim soa-me a uma verdade irredutivel. A de querer que o nosso mundo seja só nosso e nunca tenha sido de ninguém mais.

Anónimo disse...

Li o teu texto e transmitiu-me uma mescla de sensações nomeadamente solidão,falta de exclusividade ou virgindade, desejo e procura incessante de prazer para compensar a insatisfação,tristeza.

Water_Shape

Anónimo disse...

Desculpa!

Anónimo disse...

...quando as palavras traduzem sentimentos que identificamos como algo nosso, em alguma circunstancia da vida, ai, o texto, a escrita, faz sempre sentido enquanto estoria que nos encontra.ha como que um encontro no que esta escrito e no que se le...

e nos, somos todos, miseravelmente iguais...

tess

Monalisa disse...

Admiro muito este teu registo. Beijo

SL disse...

Muito bom...ainda tou a saborear as palavras.
Jinho