terça-feira, fevereiro 28, 2006

O meu Avô

O meu avô. O meu avô no dia em que eu nasci fez-me sócia do Futebol Clube do Porto. O meu avô gostava de tripas à moda do Porto e de francesinhas. Levantava-se todos os dias às 6h da manhã e ia trabalhar…trabalhou até ao dia em que partiu. O meu avô era um homem calado com uma gargalhada eufórica. Era paciente e só se irritava ao ver o Porto a jogar. No fim-de-semana quando ia ao Porto levantava-me mais cedo ao domingo para ir ter com ele ao café onde eu lia os seus muitos jornais. Depois ia comigo ao supermercado, reclamava muito, dizia que eu o desterrava. Mas sei que gostava daqueles momentos. E sei que ficava triste quando eu partia para Lisboa. O meu avô nunca disse que gostava de mim, mas eu sempre o soube, ele mostrava-o de muitas maneiras. Quando eu ia ao Porto ele cedia-me o seu sofá e o seu banquinho que usava para por os pés quando chegava do trabalho. Dizia-me”Que é que estás a fazer aí? Esse é o meu lugar. Vens da capital ocupar o meu espaço?” – E sorria, sorria muito pelo seu bigode esbranquiçado. O meu avô era um homem discreto, educado. Era um homem também forreta, mas quando lhe pedi uma camisola oficial do Jardel e um cachecol. Ele deu-mos. Foi ele mesmo comprar. E sorrimos os dois.

O meu avô sofria do coração desde moço mas isso não o impediu de viver. De amar. De sentir. Das vezes em que foi visitar-me a Lisboa, passeámos os dois, dizia-me que eu fazia-o andar muito, que lhe doíam as pernas…mas era fita, ele gostava de passear comigo. Levava-me à casa do Porto em Lisboa, à Portugália da Almirante Reis e comprava-me revistas. O meu avô era um fiteiro, que adorava doces e quando comia bola de Berlim ficava com bocadinhos de creme no bigode.

O meu avô sabia que ia morrer. Na véspera escreveu uma carta directa e simples, a dizer que queria ser cremado e que não queria que puséssemos a notícia nos jornais. Não se despediu, não chorou. Avisou a minha tia e um vizinho da carta. E morreu, morreu-nos no dia seguinte nos braços da minha avó. Não o quis acreditar. Fui no primeiro comboio para o Porto e morri também eu nos braços da minha mãe. Morremos todos naquele dia. Naquele velório em que ele nos olhava. Sentei-me à frente dele e olhei-o, chorei até não saber a que sabiam as lágrimas e não me despedi dele. Custou-me a alma não o ver a sorrir. Parti no dia seguinte, não fui ao funeral. Fugi para Lisboa com a desculpa que tinha exame, e foi verdade tive exame, a nota foi 4valores. Tanto se me deu.

Depois do exame voltei ao Porto para ficar com a minha avó uns dias. Encontrei a sua cadeira vazia. Não ouvi a chaves a entrar na porta às 17h30. Não foi comigo ao supermercado no domingo. Não me comprou revistas. Não viu comigo nenhum jogo do Porto. Pesou-me a ausência. Pesou-me nunca lhe ter dito que gostava dele. Pesou-me não me ter despedido dele. Pesou-me não me teres abraçado avô…

O meu avô chama-se Norberto Saraiva. Sim, chama-se! Porque nem a morte o consegue tirar dos meus olhos. Porque tu existes. E continuo a ver-te com os teus jornais. Com o teu bigode esbranquiçado. Continuo a ligar-te sempre que o nosso Porto ganha e festejamos os dois. E avô, continuo a sorrir para ti!

7 comentários:

Anónimo disse...

Vieram-me as lágrimas aos olhos ao ler este testumunho, intenso mesmo! Só teu avô gostar metade de ti, do que tu gostas dele já é muito...nota-se em cada frase. Porque o amor é eterno como a vida...

Anónimo disse...

Gostei muito...

Wakewinha disse...

As pessoas que amamos vivem para sempre no nosso coração! =D E as pessoas que mais admiramos ganham ainda mais vida, mesmo que não terrestre... A forma como tu falas do teu avô reflecte o grande orgulho que hás-de ter nele! Tal como eu tenho no meu avô que, graças a Deus, e do alto dos seus quase-84-anos, ainda está connosco! Guarda para sempre estas memórias lindíssimas, festeja cada vitória do Fê Quê Pê com toda a garra, pois assim restituis-lhe parte da tua vivacidade... ;)

Anónimo disse...

Senti muito as tuas palavras... podiam ser minhas por isso fiquei tão sensibilizada.

Perdi o meu avô há 2 anos e não há um fim-de-semana que regresse a casa, vinda "da capital", que não sinta a sua ausência, naquela cadeira onde esperava ansiosamente que eu chegasse.
O sua alegria ao ver-me surgir era tão genuína!!!

Com esta perda, a maior que tive, aprendi a valorizar ainda mais os momentos que dedico à minha família.

A verdade é que eles estarão sempre lá nos nossos regressos.. sinto-o.

Fica bem.
Sea

Anónimo disse...

O teu avô...

O NOSSO avô!

Texto lindo...sincero a cima de tudo...

Sim muitas recordações muitas lembranças...sabes q este natal q passou quase q ia comprando prenda pa ele?!

Ah, o Porto é e será sp o maior...=D

Temos q falar das colecções de moedas...! ;)

Ai pimaaa...a bida!

Bjo pa ti e pa tua mãe pa minha tia da minha mae tua tia...x)

***

Wakewinha disse...

Agora que te descobri quero ler mais, muito mais... Vá lá!!!
Beijito de bom fim-de-semana*

Anónimo disse...

Só posso dizer-te que é muito bonito, tambem já perdi assim alguem, tambem nunca me disse que gostava de mim, mas nós sabemos o quento eles gostavam né??