sábado, junho 03, 2006

Feira do Livro - II

Feira do livro. 2003. Viste-me pela primeira vez. Sentiste-me pela primeira vez. Observaste-me. Quase que me seguiste. Quase. Quase. Naquele dia, naquele dia andava na loucura dos livros. Como se os meus olhos fossem palavras, que se redobram que se encolhem para ter lugar para todas. Comprei imensos livros, apesar do calor, das comichões a me assaltarem o corpo. E não te esqueceste do pormenor da mochila laranja. Ainda a tenho. Ainda a levo ás compras. Amores antigos não se esquecem. Ficam-nos na pele. Ficam-nos nas palavras que por mais que se repitam nunca soam ao mesmo sentido. Amores antigos.

Hoje voltei à feira. Três anos depois. Levei a mochila laranja na esperança que por lá aparecesses, já nos cruzamos tantas vezes depois do vazio, porque não encontrarmo-nos aqui. Sei muito bem o que te diria. Dir-te-ia que gostaria muito que me seguisses até casa. Dir-te-ia que os amores antigos podem renascer. Podem ainda ser respirados. Enternecidos. Alimentados. Pedir-te-ia desculpa por ter fugido e não ter voltado atrás. Dir-te-ia tanta coisa…será que me perceberias? Será que me sorririas como de início?

Chá de menta. Café no chiado. 17h. Filosofia de Hegel. A tua aproximação. Eu dentro da minha capa de protecção. Tu com o maior à vontade que é tão teu e manteve-se sempre em ti. O teu sorriso de beleza por contemplar. O teu sinal no lábio. Os teus olhos, esses que um dia quis escrever tantas palavras. Tu à minha frente e eu sem conseguir falar. O desconforto. O tentar que ninguém se apercebesse do que estava ali a acontecer. Um convite para jantar. Um nascer. Um regressar. Tantas palavras por acontecer e eu só te soube acenar. Esperarias muito mais de mim naquele dia. Mas…existe sempre um mas nas expectativas. O meu mas era a desilusão. Desiludir-me a mim é algo que temos sempre de estar à espera. Saberemos lidar com isso. Mas frustar as expectativas daqueles que nos querem. Daqueles que nos esperam. Daqueles que sabem que temos mais para dar. Acenei-te e permaneci no café a ver-te a partir. E agora que leio esses momentos, apetece-me dizer-te que demoraste tanto tempo a chegar e o tempo até à tua partida foi breve demais, foi um tempo inquestionável até o reconhecer. Reconhecer de que o tempo sem ti demora a ter brilho. O teu brilho próprio.

Dia seguinte. Jantar. Regressar até ti. Até uma desconhecida. O medo. A desconfiança. O desconforto ainda presente. Os passos em falso sempre presentes. E se te dissesse que também eu cheguei mais cedo e que te vi andar pelo largo, e que te vi a falares para ti, e que vi nos teus olhos que me esperarias, que me esperarias até que eu chegasse. E cheguei. E nada te disse. E tu nada me disseste. E mesmo assim em silêncio sosseguei. Recebi-te. Essa noite. O princípio de tudo. O inicio das incógnitas. Das perguntas. Das dúvidas. Da vontade de fugir. De me conseguir enquadrar em ti. Em mim naquela situação e nas que foram acontecendo. Deixar-te entrar. Deixar que permanecesses. Que respondesses ás minhas perguntas. Aquelas que demorei a responder. Aquelas que demorei a aceitar. Perdi-me demasiado ao tentar encontrar uma maneira de te fugir. De te convencer que não era eu o caminho a seguir. Demorei tempo demais a tentar esconder-me em vez de tentar descobrir-te em mim. De nos descobrir.

O tempo acabou por partir o espelho que nos despistava uma da outra. O tempo acabou por ser a solução mais viável. Convenci-me que te estava a proteger. Convenci-me que estar na tua vida era o pior que podia fazer. Quis te salvar de mim. Das minhas angústias. Das minhas prisões. De mim. Acabei por me esquecer que eras a melhor coisa que me tinha acontecido. Desmoronei-me de mim.

Sinto que é tarde demais. Sinto que ao querer escapar-me do que sentia, apaguei dos teus olhos todas as palavras que precisavas de ler em mim…

Mas amanhã, amanhã voltarei à feira…voltarei todos os dias até ver um pedaço de ti no verde enfeitado do mundo dos livros.

Voltarei.

6 comentários:

GNM disse...

Que bem que escreves amiga...
Tenho imenso orgulho em partilhar
uma mesa do palácio com uma
pessoa que escreve tão bem...

Amanhã 15 horas!!!

Beijinhos...

Anónimo disse...

Saudades... consomem.

Anónimo disse...

Volta à feira até encontrares o "livro" que procuras... hoje voltei eu ao mundo dos sonhos!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
sotavento disse...

Esta Feira do Livro é onde mesmo?!... ;)

Thiago Forrest Gump disse...

A arte número um. A escrita, a leitura. Na minha opinião. :)




Boa semana