domingo, setembro 03, 2006

A mulher chegou ao quarto já passavam das seis da manhã, nas últimas quatro horas tinha feito de tudo um pouco. Devolveu-se à serenidade que o álcool lhe parecia dar. Recolheu-se às palavras dos seus livros predilectos. Dançou as músicas que tiveram sucesso na sua adolescência. Embriagou-se de emoção ao tentar saber se a vida agora teria um sentido. Um só rumo. Masturbou-se tentando assim enganar a solidão dos seus dedos, do seu corpo magro, gasto. Nesta noite tentou enganar-se a ela própria. Mais uma vez.

A sua casa era branca. Num branco sujo rabiscado de memórias das coisas que nela estavam atulhadas. Coisas que na verdade não tinham a sua identidade. Não eram suas. Pertenciam às suas pessoas. Deixava-se aconselhar, deixava que os outros partilhassem consigo os seus gostos particulares e na angústia desmedida de sentir, fazia desses mesmos gostos os seus. E quando já os tinha adquirido gabava-se que se tinha apaixonado por tais coisas. E os outros sorriam, achando que tinham um grande sentido de persuasão ou muito bom gosto. Sorriam, as suas pessoas.

A sua vida era uma farsa, eram as únicas palavras que dizia a si própria nas suas muitas conversas para tentar matar as insónias. Sim era uma farsa, e dizia aos seus amigos, que agora seria outra pessoa. Porque ela era uma outra pessoa. Mas ninguém sabia, nem ela mesmo sabia. Os seus amigos, com gestos surpreendidos, diziam que só o tempo poderia fazer com que eles reconhecessem esta nova pessoa. E ela na tentativa desesperada que eles a ouvissem dizia para dentro que o tempo era a ilusão dos que precisavam de desculpas.

Daqui a dois dias, iria destruir tudo o que não era seu, achando que assim também iriam embora os últimos restos da outra mulher. Da outra assinatura que vivia na sua pele. As que os outros gostavam. A verdadeira – diziam eles. A falsa – sentia ela. O seu apartamento deixaria de ser branco. Deixaria de ser cheio. Deixaria de ser um espaço para convívio entre artistas. Pseudos. Porque os verdadeiros artistas não têm espaço próprio, tem vários espaços, aqueles que se escondem pela arte que criam.

Existiu uma partida. Definitiva. Ela sabia que sim. Mas vivia ainda na crença que a mudança ainda poderia acarretar regressos. Ela queria aquele regresso. Queria. Mas sabia, com mágoa, que ele não era mais do que um sonho. Daqueles com muitas cores. E sem um trilho de branco.

O quarto perdera a sua luz. Tudo perdera a luz. Com a partida.

E agora com os retalhos esquecidos de orgasmos sentidos nos lençóis, ela deitava-se tentando estabilizar a sua alma. Em vão. Nos próximos dias tudo seria em vão.

Até a morte.

8 comentários:

Eli disse...

Também me passam pensamentos aleatórios pela cabeça...

E tudo tem o "eu" como ligação e em comum...

:)

eudesaltosaltos disse...

Gst de ler estes teus textos... apesar da tristeza q parece sobressair... é triste q alguem se sinta assim- falsa. bj e voltei. :=

Madeira Inside disse...

OLá!! Olá Cacauzita!! :P
Nada é em vão nas vidas das pessoas, nem tudo acontece por acaso...!!

Já tás aí, na grande cidade...em Outubro iremos combinar um cafézito na Brazileira, ao lado do meu amigo Pessoa!!

Fica bem!!
:)

Cris disse...

Quanta tristeza que por aqui se sente, quando há tanta coisa boa para ser vivida. Espero encontrar um sorriso na próxima visita.
Deixo-te um beijo e anima-te...

Sonia Almeida disse...

Gostei bastante do texto, mesmo sendo triste.
Beijinhos

Francesca disse...

Obrigada a todos pelos vossos comentários. . .

Mas este texto não é realidade :)

Beijos

o alquimista disse...

UUUF, parei aqui e parecia real...quem és tu que escreve como respira?

Beijo

Maria dos Açores® disse...

Todos nós por vezes nos sentimos assim... como se a vida que vivemos não nos pertence-se...