quinta-feira, outubro 19, 2006

Encontraram-se numa certa noite. De um ano qualquer. O espaço temporal tem a importância que lhe damos. De resto pouco importa. Porque acresce ao momento. Ás vezes apenas traça um limite. Ou dois na nossa maneira de ver as coisas, que geralmente é a errada. Mas que sei eu? O suficiente.

Encontraram-se num bar de uma ruela com traços cinzentos de tristeza e nuvens vermelhas do sangue espalhado pelos corações partidos. Sorriram, fingindo o conforto inexistente. Tocaram nas mãos, e as respirações aumentariam a cadência daquela noite. O brilho que era notado nos seus rostos ébrios. Entraram. Sentaram-se com os corpos encostados, timidamente, encostados. As palavras eram o gelo de um congelador qualquer. Podia ser o de uma delas ou das duas. E o fogo escondido nos sexos daqueles corpos pretendidos, não era suficiente para moldar aquele gelo entorpecido.
Pediram bebidas ao empregado de cabelo descomposto, cheiro intenso a um desinfectante qualquer, olhos suspensos numa droga comprada noutra ruela esquecida de Lisboa.
As bebidas chegaram, os corpos mexiam-se com uma delicadeza não justificada. As bocas falavam, agora sim, num transe de quem se quer calar e viver, mastigar o alimento que nos é oferecido no silêncio das vontades que se querem adormecidas (Pensamos nós, que a facilidade das coisas, adormece certas questões (i)morais).

Uma das mulheres, aproxima-se trémula, desvairada, na explosão que é eminente, no perigo que lhe persegue a pele, lhe rasga a sensatez, e acelera o batimento cardíaco do sexo, na humidade que arranha o tecido que lhe protege o desejo. Aproxima-se, escondendo os lábios tensos na pele que se prolonga por detrás da orelha, firmando palavras desconexas com a realidade mas embrenhadas em sentires avessos, prostitutos. Alonga as suas mãos na incoerência que se estende no corpo da outra mulher, os seus dedos revelam segredos na pressão dos dedos que dançam sobre a pele, sobre os poros que se abrem à medida que os arrepios se pernoitam.

O bar escurece. As pessoas não se apercebem do que está a acontecer. Ninguém se apercebe nem elas próprias. Daqui a poucos minutos, elas chegarão ao limite. Deixarão de se preocupar com o que as rodeia. Irromperão pelos seus corpos adentro, não resistindo ao apelo dos sentidos, ao que lhes está por debaixo da pele. Serão uma da outra pelo menos esta noite. E viverão. E os corpos pela primeira vez serão compreendidos. Serão tendencialmente satisfeitos. A noite pesará menos. Tudo pesará menos. E olharão a vida como há muito não a olhavam. Sorrirão e talvez no fim se abracem no entendimento revelado, no encontro das suas vontades. Talvez tudo mude, esta noite.

3 comentários:

Anónimo disse...

E os dia vão passando. . . A uma velocidade inexplicável.
É tão bom ler-te, minha querida :)
Amo.
Bisou *

relatosdeumruivo disse...

Talvez sejam a sedução e o desejo o escape para muita coisa.
Muito bonito...

sotavento disse...

Ou não!... Que do entendimento dos corpos ao da alma vai um mundo!... :)