segunda-feira, dezembro 31, 2007

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Às vezes esqueço-me do conteúdo desta partilha. Do seu interior composto por brechas, saídas abruptas, estados sólidos e ficcionais. Seria melhor voltar um pouco atrás, muito antes de sequer haver um interior entre nós. Já percorremos espaços a mais juntas, é o que penso. Só às vezes, só às vezes preferiria esquecer-me do que já existe. Não é uma questão de ser mais fácil, mas sim por achar que seria mais leve. Gostaria de ainda me perder quando vou ou vens ao nosso encontro. Aquele peso forte nos passos, aquele turbilhão nas mãos, os incómodos e impacientes segundos antes de te ver.
Não é muito o que existe. Lembro-me disso consecutivamente. Se me lembrar não escorrego. E assim repetimos o assunto. É um assunto que não se cansa, acho. Até nas alturas em que olho para ti e os teus olhos não estão presentes. Somes-te porque já sabes o que dizer e o que não dizer. E também tu te repetes. E depois beijamo-nos porque os beijos são as palavras que deliberadamente não queremos dizer. Ou repetir. Que se guarde o bom, que não se torne num hábito. Os hábitos assassinam o que há de bom. Na maior parte das vezes. Daqui a pouco chegas e vamos a algum sítio. As duas. Nada nos acompanha e é bom sentir essa solidão a teu lado. Como se apenas fossemos nós, nos momentos em que estamos.


Faltam-me casacos. Ainda fico com a cama cheia de roupa antes de ir ter contigo. Nada parece o acertado. Nada é bonito o suficiente para ti. Nem que seja para chegar, despir-me e querer apenas a roupa do teu corpo no meu. E no entanto, a beleza que tantas vezes encontro dentro dos teus olhos parece-me insuperável por qualquer outra coisa. A beleza que encontro nos teus olhos quando tudo o resto deixa de respirar.
Os meus pensamentos são obscuros, nada do que me ocupa é simples. E quando és tu que me ocupas então tudo se complica. E acho que gosto de sentir isso. De uma forma pouco racional, a forma como tu às vezes me ocupas, lembra-me de como sou inteira, de como consigo ser mais. Agrada-me essa ligação que se criou.
Questiono-me se sentes da mesma forma os momentos em que respiramos juntas. Se sequer sentes como a textura da nossa alma muda e como os nossos corpos se olham. Porque existe um fenómeno que acontece. Mesmo que seja raro. Quando acontece o meu pensamento deixa de ser complicado e vejo com clareza algo imperceptível noutros dias. Não posso falar em meses ou em anos. Não existimos assim há tanto tempo. E gostava também de sentir que não são os prazos que nos limitam. Nem os prazos nem as estações do ano. Gostava de sentir que enquanto conseguirmos ser nada nos limita, nem mesmo nós. Nós - os piores inimigos da evolução das coisas.
São horas de sair de casa, o casaco está vestido e tu estás algures à minha espera.


1 comentário:

Anónimo disse...

7,8,9...e 366 dias (com o 29 de fevereiro como guest star)para continuar a ter o prazer de te ler (nao quero me extender, mas te ler e também descobrir e redescobrir esquinas de mi, vidas posíveis, caminhos, cidades...)
Obrigada caracois
chavela.