terça-feira, maio 20, 2008

Dois. Lados (2)

Tu foste o que o tempo não domesticou, tu foste o livro entornado onde o silêncio não inflama, tu foste a pedra rija que se desgasta no álveo distante das brumas. Eu fui a sobra do teu lamento, os corredores da tua insatisfação, a palavra guardada no nó do punho, a morte dura na travessia da tua língua. Eu fiquei. Tu partiste. Tudo o que disseres não recaí sobre o papel, tudo o que possas dizer não intenta o reencontro da boca onde a palavra fica sempre por dizer. Porque tudo o que tu possas dizer não me chega à pele nem ao osso. Esmorece onde o segredo da carne espelha a tua fome nefanda, corrói onde o segredo da noite decaí sobre as preces dos teus joelhos. Porque tu nunca ficas onde a pressa da cama te relembra que o amor é mais venoso que a solidão dos teus ímpetos. Eu permaneci. Tu esqueceste. No meio de um tempo qualquer, nós somos o que o olvido instigou na gangrena da espera, nós somos todo o ardor por deglutir no negro findo dos teus costumes.


(Alice Tennis Giros)




Em que dia do antes paraste tu? Esclarece-me. Preciso de toda a informação que me possas dar. Preciso desse fio de lã que disfarças de pele para te trazer para perto. E aí, na ranhura do que nos separa dir-te-ei o porquê disto. O porquê de não te conseguir soletrar o adeus. Mais. O porquê de fugir sempre que dos teus dedos nascem as respostas a todos os meus medos. E oiço-te pelos labirintos desta casa, enquanto a manhã não se vislumbra, de alma encostada à janela na espera de algo. Algo que te transmita que eu estou. Eu estou.
Na maior parte das vezes, canso-me disto. Da incoerência dos meus passos. Da incoerência disto que se rasga, dia após dia, entre nós. Entre nós e o que está lá fora. Entre nós e todas as outras pessoas que algum dia significaram mais do que o resto do prazer que fica esquecido pelos corpos. E nem eu nem tu conseguimos desculpar. Desculpar que antes deste todo, fomos de outras pessoas. Mesmo que acolhamos nos anos a sabedoria de que só à morte pertencemos. E quando te sinto, por essa noite adentro, apetece-me. É mais do que apetecer. É sentir a voluntariedade do que respiro. E puxar-te. E agarrar-te. E quando a tua pele se confundir com a minha. Partilhar contigo que me quero oferecer a ti. Apenas a ti, antes de voltar a pertencer à terra.

(Narcisa)

1 comentário:

Anónimo disse...

... Belissimo momento...
... o profundo do "é", a confissão do que nunca deixou de ser...

... proibido deixar de escrever! Ainda que seja o tormento do "é" que se recusa a "ser"...

Parabéns!