sexta-feira, outubro 28, 2005

I

Penso nela, no dia do nosso reencontro, naquela tarde em que ao tentar atrasar as horas mal almocei, saí repentinamente do café e senti o ar dela junto a mim. Conversámos como não me acontecia há tanto tempo. Esqueci-me de ir buscar o carro, deixei-me ficar naquele rosto que me lembrava os primeiros anos fora de casa, das multidões na faculdade, do álcool preso no sangue sem ter para onde ir. Via-lhe nos olhos o mesmo que ela viu nos meus, vimos ambas os anos que passaram, as alegrias, as desilusões, os caminhos desnudados por onde passamos, as confissões escritas em forma de rabisco nos blocos brancos. Lembro-me do dia em que peguei na mota, levei-a comigo e fomos para longe. Confessei-lhe o meu primeiro amor. Abracei-a. Dos nossos olhos caíam lágrimas. Estávamos felizes. Olho-a tentado encontrá-la naqueles silêncios que escondem algo. Sempre detestei os seus silêncios escondidos naqueles olhos negros de noite e cheios de tanta coisa. Despedimo-nos com o convite dela para jantar. Aceitei. Olhei para trás e vi-a se afastar. Olhei para trás e não vi outro rosto que não o dela.


II

Reconheci-a por detrás da nuvem pesada dos seus cabelos, pela sombra dos seus olhos verdes, pela confusão de cores pintadas de Inverno…reconheci-a pelo sorriso escondido nas rugas dos anos que passaram. Aproximei-me como tantas vezes o fiz nos dias da faculdade, aproximei-me até encontrar uma distância segura entre os nossos corpos para não ter a tentação de não me querer afastar mais. Olhamo-nos e sorrimos como que surpreendidas, como que desvanecidas da escuridão. Oiço-a falar naquela rapidez tão marcadamente sua, naquela rapidez sem tempo para vírgulas ou para pontos finais. Vejo-a tão claramente naquela madrugada de Outubro, estávamos no 3ºano da faculdade, quando atropelando-se em passos me acordou e disse para não perguntar nada, apenas ir com ela. Pegou na mota e fomos…nunca chegamos a saber onde estávamos. Sorriu-me e disse que amava alguém, que o amor era tão grande que parecia querer ser vento para voar e regressar sempre a ela. Abraçou-me. Agradeceu-me o apoio. Disse que nunca iria esquecer aquele dia, respondi-lhe que também não. E nunca o esqueci, o dia em que calei o amor pela primeira vez. Sinto a melancolia a chegar. Despeço-me com um abraço e com um convite para jantar. Despeço-me como se fosse a última vez. Levo no meu casaco o seu cheiro.

3 comentários:

Anónimo disse...

Vejo que continuas a escrever...... que apesar de tudo a vontade para escrever e encantar continuou. Ainda bem!!! Fico à espera do próximo! ;-)

DrEaMaKeR disse...

"...o dia em que calei o amor pela primeira vez."

Está tão bonito Cacau, tão bonito. Temos de nos ver. A vida faz-me sempre estar longe =/

Me, Myself and I disse...

Palavras para quê... Fiquei enternecida e com vontade de ler mais...:) Os textos são sempre tão reais e surpreendentes que fico agarrada da primeira à ultima linha.
Obrigad@ e beijoc@s.