terça-feira, maio 16, 2006

“You got to be so free away from me…”


Gosto de te ver a acordar. Entranhas-te toda nos lençóis. Sorris de olhos fechados. Sorris com o teu corpo arrepiado. Acolhes-te no meu colo pela manhã. Esboças palavras de menina ao meu ouvido. Abraças-me inteira para que eu te veja a nascer nos novos dias. Saio de manhã e tu ficas-te pela cama. Saio de casa. Da tua casa. Nesse espaço que queres que também seja meu. A caminho do metro lembro-me de ti, por vezes apetece-me voltar atrás e ficar. Mas o trabalho agarra-me a razão. De manhã és tão tu. Quer estejas enrolada na cama. Quer estejas nua em frente à janela. Quer me beijes a face. Quer me beijes os lábios. És tão tu. Gosto-te pela manhã…mais pela manhã.

Durante o dia estamos desencontradas. Nunca nos vemos. De tarde ligas-me a contar as ideias sórdidas que te passaram pela cabeça. Falas baixinho como se estivesses perto. E acredito que fales pelas mãos como se o meu corpo estivesse ao teu alcance. Ris. Sorris. Soltas-te. Provocas-me. Seduzes-me. Mas continuamos desencontradas. Na ausência que nos obriga o dia-a-dia respiro. Estou sem ti mas respiro. Sorrio. Rio-me. Canto palavras soltas. Bebo café. Demasiado café. Fumo também em demasia. Fujo em pensamento para outros recantos. Encontro-me com outras pessoas. Imaginativas. Também me solto. Também sou eu. Quando me desencontro de ti sou mais eu.

No final do dia encontramo-nos. Em tua casa. Sempre em tua casa. Chego mais tarde, carregada de papéis que precisam de ser lidos para o outro dia. Chego cansada. Chego desencontrada de mim própria. Mas chego. E beijo-te. E recolho-me nos teus braços. Porque sabe bem. Porque tu cheiras bem. Porque a tua pele chama-me. Porque talvez também sejamos. Por minutos. Obrigas-me a fumar na varanda. Obrigas-me a não beber vinho tinto antes do jantar. Obrigas-me a que dedique toda a minha atenção a ti. Obrigas-me a ouvir. Obrigas-me a falar. Obrigas-me a que me sinta bem a teu lado. Mesmo cansada. Farta. Surda. Muda. Imprópria para consumo. E tu continuas a ser tu. Continuas a encontrar liberdade neste teu espaço que insistes em partilhar comigo.

As horas passam. Vagarosamente. Mas passam. Ficas-te pelo sofá e eu pela mesa da sala a adiantar o trabalho. Por vezes vejo que me olhas. Vejo que me beijas de longe. Vejo que queres que vá ter contigo e fique mais perto. Vejo que ficas triste. Vejo que percebes o quanto eu não sou. O quanto eu não sei ser. E deixas-me estar. Não falas. Depois vou eu ter contigo. Vejo tão bem o que os teus olhos dizem. O que as tuas mãos aguardam. O que o teu coração se escreve. Se recria para estar comigo. Para aguentar a carga que é sentir mais. Dar mais. Querer mais. Do que o meu. E acredito que na maior parte das vezes consegues aguentar esse peso. Porque bastaria um sim. Um quero. Até um talvez para que esse peso fosse menor. Se regenerasse. Bastar-te-ia tão pouco minha menina. Eu sei. Mas não basta saber. E aí encontramo-nos de novo.

Deitamo-nos juntas. Lado a lado. Com a tua mão sobre a minha barriga. Com os teus olhos pousados nas minhas incertezas. E adormecemos porque temos que adormecer. Porque o tempo precisa de se fazer mover. Porque o amanhã quem sabe seja melhor. Quem sabe nos salve. O amanhã…

5 comentários:

Anónimo disse...

porque amanhã o sol pode nascer mais cedo. e o céu pode vir a ser lilás.

relatosdeumruivo disse...

Está fantástico, e eu estou sem palavaras. Tão tocante e singular que até comove.
Keep going...
:)

Maria dos Açores® disse...

Como sempre perco-me nas tuas palavras... obrigada

Anónimo disse...

como (des)escreves. . . =) ** **

Dania disse...

Simplesmente fantástico...