segunda-feira, novembro 12, 2007

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As nuvens hoje decidiram não aparecer. Não sei o que sentir quando os dias não estão cinzentos e a cor invade a minha janela. O meu bom dia ao mundo. De manhã não sei olhar. Percebes? Os olhos fecham-se e demoram tempo a mais a ver o que nasce. Não fales comigo pela manhã, não fiques à janela nem me batas à porta. Comunico contigo pela varanda. Eu dentro, tu em baixo na rua. Acenas. Sorris. E esperas. Esperas que eu tenha a coragem suficiente para descer. Gostava de falar contigo. Mas não hoje. O dia fere-me, sim os dias bonitos ferem-me. Mas gostava de falar contigo para além desta verticalidade.

A roupa está amarrotada por cima de uns livros velhos, não se nota muito mas estão gastos. Toco-lhes e estão gastos. Mortos. Não gosto de coisas antigas, gosto de livros novos, mulheres virgens. Quando lhes pego pela primeira vez tenho medo de os magoar. E se os abrir e as palavras tiverem fugido. Que seria do livro, novo, vivo que coloco ao pé dos outros. Cemitério dos livros. No meu quarto, num canto escuro.

Saio à rua. Tu já não estás lá por isso posso sair. Cumprimentar as pessoas que vejo todos os dias. Sorrimos todos. Reconhecemo-nos. Há muitos anos que vivo aqui. No prédio amarelado que antes não o era. Antes era vermelho. Um vermelho feio cheio de fendas. Agora é amarelo. Dizem que o amarelo é uma cor que traz boas energias. Eu não as tenho, fujo delas. Estranho tudo o que é bom. O melhor, o melhor de mim. Ser melhor pessoa. Achas que consigo? Tenho medo, medo das escadas que não desço. São muitas. Vou no elevador e fecho os olhos. Tremo sempre que as portas se fecham até se abrirem. Ás vezes andavas comigo de elevador e rias quando me sentias aflita. Eu fechava os olhos e muitas vezes sentia a tua boca na minha. A tua boca na minha. A que sabe agora? Podia saber a mel, sei que odeias mel. Sim, mel é o teu novo sabor. Sabor a vómito. A porta do elevador abre. Entro. Subo. Estou de novo no meu quarto. Fico à porta. Tenho que entrar.

Tenho uma caneta azul no bolso. Está quase no fim. Não deito fora canetas a não ser que não escrevam mais. Tenho uma caixa cheias delas. Prefiro assim. Não as dou não as empresto. São minhas. A minha colecção de canetas que depois vão para o lixo. Pediste-me que te escrevesse uma carta. Com a minha letra. Um envelope verde pediste. Verde como a relva. Mas não verde com a cor dos caixotes do lixo. Olho para ti mesmo que não estejas à minha frente. Olho e não percebo. Queres uma carta porque nunca te escrevi uma carta. Queres chegar a casa e na caixa do correio encontrá-la. A minha. Sem contas para pagar. Sem avisos de nada. Queres sentar-te na cama azulada e ler. Escrevo-te uma carta, sim. É hoje que te envio a carta. No envelope a tua morada. A tua morada. Já não a sei de cor. Já não sei nada de cor. De nós. Pego na folha e na caneta. E escrevo sem tirar a tampa da caneta. Escrevo tudo o que quero escrever. Deixei de ter receio de que não gostes. Se não gostares não falas comigo e já não te tenho à janela. Fora do carro ou dentro do carro. Escrevo. Carrego no ponto final e não assino. Tu sabes que a carta, a carta que queres receber é minha. Está pronta. Envio-te a carta escrita com a caneta com tampa. Sim, a caneta azul a da minha colecção. Sabes? Ofereceste-me uma vez uma caixa. Eu sorri. Estava feliz. Mas agora não sei o que estou.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei imenso da imagem. Gosto de te imaginar á janela. Na rua. A escrever com uma caneta com tampa. Gosto de te imaginar a pensar que estavas feliz e agora...sei lá. Porque já é um passo.
O mundo esta cheio de livros virgens, linda.
Beijo amarelo, cheio de boas energias (vas ter de começar a te acostumar as coisas boas);)
chavela.