segunda-feira, julho 28, 2008

"Assim, quando pensas que tudo acabou, que finalmente fechaste o coração, apercebes-te que algo em ti espreitava, pacientemente, o momento certo em que acreditavas ser livre.
Iludida, calma e despreocupada, entranha-se vagarosamente, em ti a semente do amor incondicional. Uma manhã, abres os olhos a mais um dia de rotinas e algo subitamente te inquieta – um desconforto ligeiro e estranho, uma sensação de falta que inicialmente não consegues determinar e que não é fome.
E é essa despreocupação o ponto fraco, o momento certo que o amor esperava para te assaltar, para quebrar as comportas do teu coração e inundar a tua vida.
Depois disso, estremeces. E só então compreendes que esse sentimento está tão profundamente enraizado em ti, que está lá no momento de silêncio em que tomas o café da manhã, que quando adormeces te assaltam pensamentos díspares que não são teus, palavras e instantes aos quais julgavas não ter dado importância. E toda a tua vida se reveste de um peso de antecipação e, ao mesmo tempo, de uma leveza de memórias recortadas quase ao acaso. Nada a fazer. O coração bate.
Assim, quando menos esperas, és triste.
O vazio instala-se nos teus olhos e o instante de felicidade do teu dia está dependente de uma presença externa que não consegues controlar. Deixas o teu sorriso pendente na mensagem que não recebes ou, se ela chegar, no seu conteúdo quase inócuo.
Trocámos números de telefone, trocámos mensagens. O hábito da presença um do outro instalou-se até que marcámos um café.

Por isso, todo o meu ser ficou dependurado na primeira vez que saímos juntos. Um primeiro encontro, como dois estranhos que se mostram ao mundo pela primeira vez.
Conversámos horas a fio, noite dentro, e o sorriso, ainda pendente, entre mais um café e o teres-me emprestado o teu casaco porque eu tremia de frio, antes de, respeitosamente, me deixares à porta de casa.
Extenuada, vencida pelo sono, deitei-me com a roupa que trazia no corpo e o teu casaco, cujo odor se me vedava pela febre que começava a desenhar-se. Nessa noite voltei a sonhar."


Ana Brilha
Diário de uma Paixão Monologada - Lado A

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